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Como você toma decisões?
Tema
Pessoas e Produtividade
Como você toma decisões

Gostaria de compartilhar com vocês uma matéria que saiu semana passada na revista Época e que tem muita a ver com o propósito de nosso trabalho como consultores, de ajudar as pessoas na tomada de decisão. Segue inserido no final do artigo um mapa mental que montei, tentando sintetizar os principais conceitos.

Como você toma decisões?

O técnico da Seleção Brasileira diz que sua escolha foi baseada na razão, não na emoção. Uma pesquisa mostra que os brasileiros são divididos quase meio a meio entre os dois polos. E uma série de novos estudos está mostrando que nem razão nem intuição – e nem análise de dados por computadores – são suficientes para garantir boas decisões. Você precisa de tudo o que estiver a seu alcance.

David Cohen, Martha Mendonça, Nelito Fernandes e Rodrigo Turrer

Foram três anos e meio de observações e testes, e no final a decisão mais surpreendente de Dunga foi não convocar o jogador Adriano, do Flamengo, para a seleção brasileira que vai disputar a Copa do Mundo da África do Sul. “O emocional falou uma coisa, a razão fala outra”, disse o técnico. Dunga não está sozinho nesse dilema. Uma pesquisa feita pelo instituto Ibope mostra que os brasileiros se dividem de maneira quase uniforme entre racionais e emotivos. De acordo com a pesquisa – feita a pedido da TV Globo, da mesma organização que publica ÉPOCA, para o lançamento da novela Passione, que aborda o tema –, um terço da população age costumeiramente de forma emocional, ou intuitiva. Outro terço diz raciocinar mais friamente antes de tomar decisões.

A divisão da mente entre dois polos não é exatamente nova: foi exposta no século IV a.C. pelo filósofo grego Platão, no livro Fedro. Ele usou uma analogia baseada em tradições ainda mais antigas, provavelmente do Egito ou da Mesopotâmia. Segundo a versão de Platão, nossa alma é como uma charrete com dois cavalos. O condutor seria a razão, e os cavalos as emoções. Um deles é obediente, representa nossos desejos mais “nobres”. Outro, rebelde, são nossos apetites. A difícil tarefa do condutor é controlar os dois cavalos para que a charrete, dotada de asas, voe até as alturas onde ficam os deuses.

Quase 2.500 anos depois, Platão foi atropelado pela charrete. Pesquisas e estudos em vários campos do conhecimento vêm destroçando sua analogia. De um lado, economistas e matemáticos dizem que as carroças de hoje não têm apenas dois cavalos, mas 100 ou 200, e a única esperança do cocheiro é guiar-se por instrumentos automatizados, como computadores e programas de análise. Um segundo grupo, da psicologia cognitiva, afirma que o condutor é caolho e não consegue enxergar boa parte da estrada. Os psicólogos oferecem mapas detalhados dos buracos no caminho. Há um terceiro grupo, dos evolucionistas, para quem o condutor deveria aprender a largar as rédeas: eles dizem que, no geral, os cavalos sabem muito bem para onde estão indo e o condutor, ao tentar freá-los, só faz tornar o caminho mais longo. Finalmente, o grupo mais recente, dos neurocientistas, diz que o cocheiro não passa de um cavalo disfarçado. Não há, segundo eles, possibilidade de razão sem emoção.

É por isso que a área de conhecimento denominada, com tanta pompa, de tomada de decisões é hoje um campo de batalha. Basta ver os lançamentos de livros mais recentes. Eis alguns exemplos.

Em Previsivelmente irracional, um sucesso de 2008, Dan Ariely, professor de economia comportamental da Universidade Duke, lista os erros de raciocínio mais comuns na tomada de decisões. O argumento é que não somos, como dizem os economistas clássicos, seres racionais que tomam decisões com o único intuito de satisfazer seus interesses individuais. Em Rational choice, lançado em abril, Itzhak Gilboa, professor de economia e ciências da decisão da HEC, em Paris, e da Universidade de Tel Aviv, toma o campo oposto. Afirma que, apesar dos deslizes demonstrados por vários estudos, a teoria da decisão racional ainda se mantém de pé. Em O poder da intuição, Gerd Gigerenzer, do Instituto Max Planck para o Desenvolvimento Humano, em Berlim, diz que nossos instintos são o melhor guia para a tomada de decisões – e nossos erros fazem mais sentido do que supõem os pesquisadores. Em Super crunchers, o professor de Yale Ian Ayres diz que os milhões de dados disponíveis na internet permitem às empresas tomar decisões melhores do que as feitas por especialistas. Antes de publicar seu livro, Ayres imaginava outro título: a morte da intuição. Em O momento decisivo, recém-lançado no Brasil, o especialista em neurociência Jonah Lehrer narra estudos sobre como funciona a mente na hora da decisão – e como razão e emoção se fundem.

“Apesar das diferenças, a tendência agora é a fusão dos conhecimentos de todas essas áreas distintas, diz Abraham Yu, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo (USP) especializado em processos de decisão. Se essa fusão se concretizar, terá seguido um longo caminho.

Um dos primeiros conselheiros para tomada de decisões foi Benjamin Franklin, um dos fundadores dos Estados Unidos. Sua receita para tomar uma boa decisão sobrevive até hoje, mais ou menos com o mesmo passo a passo:

1) Defina o problema. Por exemplo: comprar um apartamento. 

2) Identifique os critérios importantes para avaliar as alternativas (localização, tamanho, custo do condomínio, se pega sol, se tem armários...).

3) Estabeleça pesos para seus critérios, ordenando-os por importância (tamanho é mais importante que pegar sol, e assim por diante).

4) Busque informações que gerem alternativas de solução (nesse caso, procure corretoras, olhe anúncios, pergunte para vizinhos).

5) Faça uma tabela com todas as alternativas, dando-lhes notas de acordo com cada critério (10 para o tamanho que você quer, 7 para uma localização boa, 3 para um condomínio caro etc.).

6) Multiplique as notas pelos pesos relativos de cada critério, e pronto, a opção com maior nota é a melhor para você.

Esse método, digamos, aritmético de tomar decisões casa muito bem com os fundamentos da economia, segundo a qual os indivíduos agem sempre de forma a otimizar seus ganhos e minimizar suas perdas e os mercados tendem a funcionar com perfeição. Em boa medida, o mundo funciona assim. Mas nem sempre.

O primeiro a impingir uma rachadura nessa teoria foi o americano Herbert Simon, na década de 50. Seus estudos (que lhe renderam um Prêmio Nobel em 1978) demonstraram que havia uma série de limites para a racionalidade. Basicamente, nós nunca conseguimos coletar todas as informações necessárias. Das que coletamos, não somos capazes de prever inteiramente as consequências. E mesmo nossas preferências são misteriosas e voláteis (como pode um garoto de 17 anos saber que profissão gostará de ter aos 45 ou mesmo aos 23?).

O segundo golpe à noção de que somos seres racionais veio nas décadas de 70 e 80, com uma série de estudos liderados pelos psicólogos israelenses Daniel Kahneman (outro Nobel) e Amos Tversky. Eles mostraram que, na vida real, temos uma série de inclinações que enviesam nossa capacidade de julgamento.

As experiências dos psicólogos cognitivos costumam ser muito inventivas. E desconcer-tantes. Eis alguns exemplos.

  • No livro A força do absurdo, Ori e Rom Brafman contam o caso do empreendedor Nathan Handwerker. Recém-chegado aos Estados Unidos, em 1916, ele percebeu que poderia vender cachorros-quentes pela metade do preço dos concorrentes, usando uma receita de sua mulher. Não conseguiu atrair muitos clientes. Ele passou então a oferecer picles e cerveja para atrair compradores, sem sucesso. Até que descobriu a receita. Recrutou médicos de um hospital ali perto para comerem em sua barraca, vestidos com seus jalecos brancos e estetoscópio. Aí, sim, fez sucesso – com base na inclinação humana de copiar pessoas admiráveis, e não, como sugerem os preceitos econômicos, pela oferta de um mesmo bem a preços mais baixos.
     
  • Algo similar foi provado em 2007, pelo jornal The Washington Post. A seu pedido, o violinista Joshua Bell, um dos melhores do mundo, vestiu-se como um artista de rua e tocou na porta do metrô, com seu Stradivarius de US$ 3,5 milhões. Das 1.097 pessoas que passaram por ali, quase nenhuma parou. Um homem escutou Bell por alguns minutos, um par de crianças olhava a cena, uma mulher reconheceu o artista. E só. A explicação mais provável é que as pessoas precisam de um contexto que lhes faça atribuir valor às coisas.
     
  • Talvez a primeira regra matemática seja a da identidade: 5 é igual a 5. O economista Richard Thaler mostrou que, para os seres humanos, depende. Ele preparou um questionário com a seguinte situação: você está num shopping a ponto de comprar uma calculadora de US$ 15 e descobre que a mesma calculadora é vendida por US$ 10 numa loja a 20 minutos de distância, de carro. Você vai até lá? A resposta foi sim para 68% dos entrevistados. Então ele mudou a pergunta. Em vez da calculadora de US$ 15, a compra era de uma jaqueta de couro de US$ 125, vendida na loja mais distante por US$ 120. Eram os mesmos US$ 5 de economia, mas desta vez só 29% disseram que fariam a viagem.
     
  • Um dos vieses mais difundidos é a armadilha do enquadramento. Um estudo, replicado várias vezes, partia da seguinte situação: uma epidemia fatal tomou conta da cidade, e os cientistas inventaram uma vacina capaz de salvar a vida de 80% da população. Você aprovaria seu uso? Colocada assim, a pergunta suscita maioria de respostas positivas. Quando a pergunta é invertida – a vacina cura, mas 20% das pessoas morrerão –, a maioria dos entrevistados é contra seu uso, embora a situação seja idêntica à anterior.
     
  • Mais significa menos. Sheena Iyengar, professora da escola de negócios da Universidade Colúmbia, montou e observou uma banca de geleias numa loja de doces. Quando havia 24 geleias à venda, 60% das pessoas pararam na barraca. Quando havia apenas seis geleias, só 40% das pessoas pararam. Até aí, tudo de acordo com a teoria econômica clássica: quanto mais opções, melhor. Mas quem comprou? Quando havia 24 geleias, só 3% das pessoas compraram algo. Quando eram seis, 30% – dez vezes mais. Inundados de opções, nós ficamos paralisados, diz o psicólogo Barry Schwarz, no livro O paradoxo da escolha.

Com criatividade abundante e verbas generosas, estudos desse tipo proliferaram nas últimas décadas. Hoje já se conhecem inúmeras armadilhas do pensamentoancoragem (quando nos fixamos em algo que não tem nada a ver com o problema), enquadramentodisponibilidade (somos mais impressionados com informações recentes ou próximas, ainda que não sejam as mais relevantes), aversão ao risco (perder causa mais tristeza do que ganhar causa alegria) e por aí vai.

O que esses estudos mostram é que há problemas sérios com nossa intuição. Às vezes somos atraídos por uma escolha por pura ignorância – não conhecemos outras opções ou não sabemos direito que resultados pode ter aquela ação. Às vezes, estamos viciados numa solução que sempre deu certo, mas agora a situação mudou. Finalmente, a intuição é um problema em decisões de grupo: como explicá-la, como comparar sua intuição com a intuição do colega?

Mais problemático, ainda, a intuição costuma levar a resultados inconsistentes. Num famoso estudo americano, cinco radiologistas receberam 96 chapas de raios X de estômago e avaliaram a presença ou não de úlcera. Uma semana depois, eles viram as mesmas radiografias, em ordem diferente. Suas opiniões mudaram. No melhor caso, houve inconsistência em 8% das chapas. No pior, a opinião mudou em 40% delas.

O ataque às intuições desmascarou também o processo racional de tomada de decisões. Como disse o sociólogo americano James March, professor de gestão na Universidade Stanford e autor do livro Como as decisões realmente acontecem (só agora lançado no Brasil), decisores procuram informações, mas só veem o que esperam ver e não prestam atenção ao inesperado. “Eles têm uma tendência a coletar quilos de informações só para sentir-se mais seguros da escolha que fizeram no primeiro momento. A confiança aumenta com o acréscimo de informações, embora a acurácia em geral não fique mais elevada”, diz March.

E então veio a reação. Especialmente na década de 90, simpatizantes do evolucionismo iniciaram uma onda de defesa do sentimento e da intuição nos processos decisórios. Os mais famosos são Gerd Gigerenzer, com O poder da intuição, e Malcolm Gladwell, com Blink. Seu argumento essencial é que a mente humana evoluiu ao longo de milhões de anos e os atalhos de raciocínio – os mesmos que os psicólogos cognitivos consideram falhas do processo decisório – estão lá por uma razão.

Se apontam os mesmos mecanismos da intuição, qual é a diferença entre os dois campos? “Kahneman fez um importante trabalho destacando os problemas sobre heurística (os atalhos do pensamento)”, disse Gigerenzer, em entrevista por telefone. “Mas sua mensagem é que as intuições estão, em sua maior parte, erradas – pelo menos em cada exemplo que eu conheço de seu trabalho. A possibilidade de fazer melhores julgamentos quando há pouco tempo não existe em seu trabalho.”

A diferença, portanto, é de sinal. O fenômeno está lá. Gigerenzer o considera positivo. “A mente, em minha opinião, é uma caixa de ferramentas que se adapta, com regras criadas e transmitidas por genética, cultura e experiências individuais.” Para provar seu ponto, Gigerenzer criou seus próprios experimentos.

Um deles foi feito no ano 2000, quando a revista alemã Capital promoveu um concurso de ações. Mais de 10 mil pessoas, incluindo o editor chefe, submeteram seus portfolios. “O economista Andreas Ortmann e eu também apresentamos um, baseado na ignorância”, escreveu Gigerenzer. “Fomos à rua e perguntamos a pessoas que não sabiam nada de mercado financeiro – 50 homens e 50 mulheres – quais empresas entre as 50 oferecidas pela revista elas conheciam. Pegamos as dez ações cujos nomes eram mais reconhecidos e submetemos esse portfolio. Depois, não mexemos nele. Quer dizer, jamais mudamos a composição da nossa carteira.”

Naquela época, o mercado alemão caiu, o que não era uma boa notícia. Mesmo assim, o portfolio de Gigerenzer se valorizou 2,5%. A carteira do editor chefe da revista, um especialista, caiu 18,5%. O estudo suscitou algumas críticas de que não eram reprodutíveis. Gigerenzer afirma que fez três estudos, sempre com recomendações de pessoas normais, nos Estados Unidos e na Alemanha, sempre com resultados melhores que a média do mercado. “É surpreendente”, diz Gigerenzer. “Só nos Estados Unidos, especialistas ganham US$ 100 bilhões por ano para aconselhar as pessoas como investir, e não funciona: 70% dos fundos têm resultados piores que a média do mercado inteiro, e os 30% que se dão melhor não repetem seu desempenho com consistência.” Para os economistas, mais informação é sempre melhor, a não ser quando o custo da informação fica maior do que o ganho que ela trará. Essas experiências mostram que não. Informação, a partir de certo ponto, atrapalha. Mesmo se for de graça.

Outro teste relatado por Gigerenzer é de desempenho de golfistas amadores e profissionais (leia na última página). Distraídos por outra tarefa, os novatos jogavam pior. Mas os profissionais se davam melhor. A conclusão: quando o cérebro racional sai da frente, as pessoas realizam algumas tarefas melhor e mais rapidamente.

Em geral, isso ocorre com gente que adquiriu conhecimentos e os internalizou. Mais ou menos como dirigir um carro. No início, você precisa prestar atenção em todos os movimentos, no pedal, no câmbio, lembrar de olhar o espelho. Depois, faz isso automaticamente – prestar atenção deliberada apenas o torna mais lento. Segundo Gladwell, esse é o processo em curso para os grandes profissionais. “Numa emergência no hospital, não há tempo para pensar”, diz o médico Josué Kardec, diretor do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro. “Na cirurgia, a demora não é vantajosa”, diz o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho. “Uma vez que o ato cirúrgico começa, as decisões são inadiáveis. Você não pode ficar olhando e pensando no que vai fazer, é preciso agir. As coisas vão acontecendo, você vai decidindo automaticamente, baseado em sua experiência, em casos anteriores que já viveu, na intuição.”

Sob essa óptica, podem-se reinterpretar algumas das experiências sobre atalhos do raciocínio. Os testes cegos são uma “prova” de que somos enganados pela intuição. Seguidamente, vinhos caros são preteridos tanto por especialistas como por consumidores comuns quando não são identificados. É como se o preço conferisse sabor à bebida. Mas será um engano? Há uma lógica em preferir as marcas que conhecemos. “Normalmente, uma empresa investe em propaganda depois de ter investido em qualidade”, diz Gigerenzer. “Se ela tem verba para se fazer conhecida, é mais provável que seja boa.” Sempre podemos ser enganados por empresas que investem em propaganda em detrimento de investir na qualidade, mas essa não é a regra. Confiar na intuição poupa tempo e a energia da escolha.

O conflito entre raciocínio lógico e intuição, movida pelas emoções, ficou mais nebuloso na virada do século, com os avanços na neurociência. Um dos precursores dessa onda foi o neurologista português António Damásio, que trabalha na Universidade do Sul da Califórnia. Ao observar pacientes com variados tipos de lesões no cérebro, Damásio concluiu que as emoções têm um papel fundamental no processo do raciocínio lógico.

Um de seus pacientes sofreu um acidente e perdeu a capacidade de se emocionar, mas manteve intacto o Q.I. Conseguia analisar os prós e os contras de uma situação – marcar a próxima consulta para terça ou quinta-feira –, mas levava horas perdido nessas considerações, sem jamais chegar a uma decisão.

A tese de Damásio, defendida no livro O erro de Descartes, é que a emoção serve para eliminar uma quantidade enorme de informações que, não fosse ela, entupiriam nosso cérebro. Damásio ajudou a demonstrar que a intuição, em alguns casos, é tão boa quanto a razão, e bem mais rápida. Num experimento, distribuiu a jogadores quatro baralhos e US$ 2 mil para apostar. Cada carta virada fazia o voluntário ganhar ou perder dinheiro. Dois dos baralhos eram de alto risco: davam prêmios maiores, mas de vez em quando cobravam perdas altíssimas. Os outros dois eram mais conservadores, mas raramente traziam punições. No longo prazo, os baralhos conservadores davam retorno maior aos voluntários.

Em média, as pessoas precisavam virar 50 cartas antes que começassem a virar só as dos baralhos conservadores. E 80 para que conseguissem explicar por que os estavam escolhendo. Mas esse não era todo o experimento. Damásio também colocou sensores para medir a condutividade elétrica da pele dos apostadores. Descobriu que, com apenas dez rodadas, suas mãos palpitavam mais quando se aproximavam dos baralhos arriscados. Sua conclusão: os sentimentos entenderam o jogo primeiro.

Outro experimento, narrado por Jonah Lehrer em O momento decisivo, mostra os problemas de pensar demais. Um rato foi colocado em uma gaiola em T, com pequenas porções de comida na extremidade esquerda e pequenas porções na extremidade direita. A colocação da comida variava – ora de um lado, ora do outro, mas de forma que estivesse 60% do tempo do lado esquerdo. Em pouco tempo, o rato percebeu a diferença e passou a ir sempre para o lado esquerdo.

Então os cientistas repetiram o experimento com estudantes da Universidade Yale. Eles não fizeram como os ratos. Sendo humanos, acreditaram que havia um padrão na distribuição dos prêmios, tentavam aprender com seus erros, criavam teses. Só que não havia nada a prever. Embora tivessem certeza de que estavam progredindo rumo à decifração do algoritmo, os estudantes acabaram em média com um índice de 52% de recompensa. Bem abaixo do rato.

Nos últimos tempos, os defensores da intuição ganharam ainda uma ajuda inesperada. Ela vem – quem diria? – do ramo da matemática. “Existe um motivo matemático para a evolução dos sentimentos na tomada de decisões”, diz Marcelo Finger, professor de ciência da computação da USP especializado em inteligência artificial. Na década de 30, Alan Turing demonstrou que, de todos os problemas possíveis, só uma pequena parcela pode ser decidida por meio dos processos dedutivos lógicos. (Outros dois matemáticos provaram a mesma coisa, de forma independente, na mesma época.) Em 1971, o matemático Stephen Cook, da Universidade de Toronto, no Canadá, foi um passo além. Demonstrou que, daqueles problemas que se podem decidir, a maioria é intratável – com alguns poucos dados, o tempo de resolução cresce no que ele chamou de “explosão combinatória”.

Um exemplo de problema intratável é o do caixeiro-viajante. Dado um número de cidades por que ele precisa passar, qual deve ser sua rota para gastar o mínimo de energia? Se só houver duas cidades, a solução é fácil. Se houver 100, é muito difícil. Se forem 1.000, praticamente impossível.

A princípio, esse tipo de problema poderia animar o pessoal da computação. Afinal, para que serve um computador senão para fazer muitas contas muito rápido? Mas os computadores são, eles próprios, uma espécie de problema do caixeiro-viajante. Seus circuitos integrados têm bilhões de conexões, e descobrir os melhores caminhos entre elas confere não apenas rapidez de cálculo, mas evita que a máquina esquente demais. “Os computadores já resolvem problemas com milhões de nós, mas ainda é pouco diante do avanço da eletroeletrônica”, diz Finger. “É por causa de problemas assim que nossa mente precisa de heurísticas.” Atalho talvez seja um nome inapropriado, pois supõe que haja outro caminho para o raciocínio, mais longo e mais bem pavimentado. Nem sempre há.

Por enquanto, o conflito entre razão e emoção está neste nível: “Parece haver certo consenso de que a intuição é boa, a não ser quando ela é ruim”, diz Gigerenzer. “Isso não ajuda muito.” A questão real não é tanto se, mas quando podemos confiar nos instintos.

Para responder a isso, pelo menos por enquanto só temos a intuição. Uma boa regra prática diz que em geral usamos a intuição ao contrário do que deveríamos. Ela é melhor em problemas complexos. Nessas horas, assim como a executiva Maria Silvia Bastos diz fazer (depoimento no alto da página), devemos colher um bom número de informações, depois parar de pensar no assunto. Ao voltar, a intuição nos dará uma resposta melhor, dizem os neurocientistas. “Nos problemas fáceis é que devemos usar o cérebro consciente”, diz Lehrer.

Outra descoberta recente vem de um estudo com imagens de ressonância magnética em pessoas que tinham de escolher apostas em dinheiro. Havia uma aposta mais emotiva (por causa da aversão à perda) e uma aposta mais racional (que levava em conta as probabilidades). Os cientistas descobriram que os racionais tinham o mesmo nível de atividade que os emotivos na amígdala, uma região do cérebro ligada aos sentimentos. Mas tinham maior atividade do córtex pré-frontal, responsável pelo raciocínio. Não é que elas sentissem menos, elas pensavam mais.

Compare esse resultado com o famoso estudo do marshmallow, da década de 1970. O psicólogo americano Walter Mischel convidou crianças de 4 anos para seu laboratório, na Universidade Stanford. Oferecia-lhes um marshmallow, mas dizia que, se esperassem alguns minutos, ele voltaria e daria outro marshmallow. Praticamente todas as crianças decidiram esperar, para ganhar um doce a mais. Mas poucas resistiam à tentação (o teste foi refeito recentemente, e você pode ver a agonia das crianças em vídeos na internet). Algumas puxavam o próprio cabelo, outras olhavam para os lados. Umas poucas aguentaram esperar até 15 minutos.

Em 1985, Mischel procurou as crianças de novo. Já eram jovens. E, surpresa: as que conseguiram esperar eram os jovens mais centrados, que tiravam melhores notas, mais sociáveis. O teste do marshmallow previa o sucesso de uma pessoa melhor do que a análise do Q.I. Não é que as crianças que resistiram não gostassem de doces. Elas usavam táticas – táticas racionais – para controlar suas emoções.

Talvez Platão ainda tenha algo a nos ensinar...

Fonte: Revista Época
Colaboração: Gabriel Oliveira, negritos e itálicos do texto destacados para elaboração do mapa mental

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